Retorno da marcha em pacientes com lesão medular

lesão medular

A lesão medular continua sendo uma das condições mais debilitantes física, psicológica e socialmente em todo o mundo. Embora as medidas de reabilitação possam ajudar a limitar a incapacidade até certo ponto, ainda não há tratamento primário eficaz disponível.

Há alguns anos, as células-tronco surgiram como uma grande promessa de cura destas lesões. Mas reparar esse circuito aparentemente simples provou ser muito mais complicado do que a maioria das pessoas esperava.

Um grupo da Université de Lausanne na Suiça testou uma abordagem diferente e obteve resultados dignos de um milagre.

Lesão medular

Como dito anteriormente, a lesão medular é um problema de saúde muito grave e os tratamentos disponíveis não são capazes de regenerar a medula espinhal. Por isso, pode levar a déficits neurológicos permanentes, incluindo deficiências motoras e sensoriais, com altas taxas de incapacidade física e mortalidade.

A lesão medular resulta na interrupção da conexão entre o sistema nervoso central e o resto do corpo. Trauma, doença e até degeneração da medula espinhal podem comprometer as funções sensoriais, motoras, autonômicas e reflexas dos indivíduos afetados, e apenas 0,4% dos casos apresentam recuperação completa de suas funções deterioradas.

Após o trauma, eventos secundários como isquemia, anoxia e inflamação comprometem ainda mais o tecido lesado. Há migração de células inflamatórias para o local da lesão, que liberam citocinas inflamatórias, formação de espécies reativas de oxigênio (ROS), resultando em danos no DNA, oxidação de proteínas, e mau funcionamento mitocondrial devido ao desequilíbrio iônico. Os eventos secundários levam principalmente à necrose neuronal e apoptose, que ocorrem nas primeiras horas após o trauma.

Como tratar?

Após um evento de trauma que leva à lesão medular, mamíferos são incapazes de regenerar o tecido nervoso, o que pode levar à incapacidade ao longo da vida. Entretanto, alguns tratamentos podem ser oferecidos para tentar reduzir os efeitos colaterais e proteger o tecido nervoso lesionado.

A cirurgia de descompressão é um dos tratamentos utilizados para aliviar a pressão, reduzindo a hipóxia e a isquemia causadas por edema e hemorragia. Succinato sódico de metilprednisolona por via intravenosa também inibe a peroxidação lipídica pós-traumática em neurônios e vasos sanguíneos, e agentes neuroprotetores, como riluzol, podem reduzir a morte celular neuronal.

A eletroacupuntura/eletroestimulação é outro tratamento que tem sido usado há muito tempo na terapia de lesão medular e demonstrou inibir a inflamação, promover a secreção de fatores neurotróficos e reduzir lesões secundárias.

lesão medular

Uma alternativa bastante promissora foi a infusão de células-tronco, capaz de regenerar o tecido nervoso. A terapia celular induz a imunomodulação do ambiente inflamado, liberação de fatores bioativos, restauração da mielina axonal, prevenção de apoptose neuronal e neuroregeneração.

Entretanto, as melhoras nos pacientes, embora significativas, são limitadas. Os maiores ganhos estão em relação ao controle da bexiga e intestino, atividade sexual e retorno parcial da sensação de toque. O sonho dos pacientes (e dos médicos) de voltar a andar ainda parece uma promessa distante. Ou parecia…

Retorno da marcha em pacientes com lesão medular

Antes, um fato importante: o retorno da marcha após lesão medular não é um caso inédito. Mas também não é um evento cotidiano. Alguns destes casos de sucesso são obtidos com a estimulação elétrica epidural (EES) dos segmentos lombossacrais.

O grupo da Université de Lausanne desenvolveu um implante que emite pulsos elétricos através de um arranjo de eletrodos ligados ao conjunto de raízes dorso-sacrais, lombares e torácicas envolvidas na produção de movimentos de pernas e tronco. A EES biomimética permitiu a recuperação da posição de pé, caminhada, ciclismo, natação e controle do tronco em 1 dia em três indivíduos com paralisia completa crônica.

Também foi desenvolvido um software para compor a configuração rápida de programas de estimulação biomimética, definindo padrões de estimulação para atividades físicas dos pacientes, como caminhada, natação e ciclismo.

Embora os três participantes foram capazes de caminhar de forma independente, é importante ressaltar que eles não recuperaram os movimentos naturais. No entanto, essa recuperação foi suficiente para realizar diversas atividades por extensos períodos. Além disso, a estimulação foi capaz de aumentar os sinais das vias descendentes residuais.

Desta forma, a EES biomimética, além de permitir movimentos ativos e sustentados na fase inicial após a lesão medular, também permite aproveitar ao máximo os mecanismos naturais de reparo para aumentar a recuperação neurológica.

Perspectivas futuras

Algumas questões permanecem um desafio. Os três participantes do estudo tinham a lesão medular há mais de um ano. Talvez a intervenção precoce seja um fator benéfico para a recuperação dos pacientes. Além disso, novos estudos podem abordar novos segmentos da medula, possibilitando o tratamento de pacientes com lesões em diferentes locais.

Mas vale destacar: a EES biomimética restaurou as funções motoras do tronco e das pernas dentro de 1 dia após a paralisia sensório-motora completa e mediou a recuperação de alguma independência após a neurorreabilitação. Essa recuperação está abrindo um caminho realista para uma terapia que mediará melhorias clinicamente significativas em pessoas que apresentam uma ampla gama de gravidades de lesão medular.

Referências:

Lauren Gravitz. Stem cells and spinal-cord injuries: an intricate issue. Nature Outlook. 2021

Rowald, A., Komi, S., Demesmaeker, R. et al. Activity-dependent spinal cord neuromodulation rapidly restores trunk and leg motor functions after complete paralysis. Nat Med (2022). https://doi.org/10.1038/s41591-021-01663-5

Letícia Fracaro. Bernardo Zoehler, Carmen Lúcia Kuniyoshi Rebelatto. Mesenchymal stromal cells as a choice for spinal cord injury treatment. Neuroimmunol Neuroinflammation 2020. DOI: 10.20517/2347-8659.2019.009.

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